Por Humberto Saccomandi (VALOR)

A presidente Dilma Rousseff vem falando desde a semana passada de um tsunami monetário. Há duas semanas, o CEO de uma importante empresa de private equity britânica também falou num tsunami, numa conversa com o Valor em São Paulo. Ambos se referem ao mesmo fenômeno (um fluxo forte de capitais vindo dos países ricos), mas há uma importante diferença de tempo e escala. O tsunami de que fala o investidor britânico ainda não começou. E pode fazer o tsunami da presidente Dilma parecer uma marolinha.

O terremoto gerador desses tsunamis é o mesmo: a injeção de capital realizada pelos bancos centrais dos países ricos desde o início da crise financeira. Dilma estimou essas operações, pelas quais os BCs emprestam dinheiro ao sistema financeiro a taxas de juros baixas, em US$ 4,7 trilhões desde 2008.

Apenas o Banco Central Europeu realizou recentemente duas dessas operação. Em 21 de dezembro, emprestou € 489 bilhões a 523 bancos. Na semana passada, emprestou mais € 529,5 bilhões a 800 bancos. O BCE emprestou esse dinheiro por três anos a juro de 1% ao ano, ou seja, abaixo da inflação, que ficou em 2,6% na zona do euro em janeiro.

O objetivo do BCE é suprir o sistema financeiro de liquidez, reduzindo, por ora, o risco de colapso de um banco europeu. Isso deveria ainda estimular os bancos a manter o crédito aos países em crise e à economia europeia em geral.

Em parte, essa medida parece ter funcionado. O prêmio pago por países como a Itália e a Espanha para rolar suas dívidas caiu substancialmente desde dezembro, a ponto de o premiê italiano, Mario Monti, dizer que o pior da crise da dívida já passou. No entanto, entidades empresariais dizem que o crédito às empresas continua escasso na Europa. Por quê?

Quando esse dinheiro se mexer, haverá um verdadeiro tsunami

Dados do BCE mostram que os bancos estão guardando a maior parte do dinheiro que tomaram emprestado do BCE. E onde eles guardam? Em títulos da dívida dos países mais seguros, como a Alemanha, e em depósitos overnight no próprio BCE.

Esses depósitos vêm batendo recordes sucessivos desde dezembro. Pelo último dado disponível, de ontem, os bancos tinham depositados no BCE € 817 bilhões, contra média de pouco mais de € 300 bilhões no início de dezembro. Ou seja, mais de metade do valor emprestado pelo BCE aos bancos está estacionado em depósitos no próprio BCE.

Esses depósitos overnight rendem apenas 0,25% ao ano. Isso significa que os bancos estão perdendo dinheiro. E por que eles fazem isso? Pois, num ambiente de grande incerteza, eles preferem se manter líquidos para alguma necessidade, um evento inesperado, como um default desordenado da Grécia.

O resultado é que boa parte, talvez a maior parte, desses trilhões emprestados pelos BCs dos países ricos não está circulando. Está empoçado, como se diz no jargão financeiro, devido à insegurança do mercado.

Aparentemente, apenas uma pequena parte dessa montanha de liquidez está fluindo atualmente em direção aos países emergentes, atraída pelo diferencial de juros – a taxa de juros real (descontada a inflação) é positiva nos emergentes e negativa nos países ricos (veja o gráfico abaixo) – e atraída também pelas oportunidades geradas pelo crescimento econômico nos emergentes.

E é esse fluxo, difícil de estimar, que está pressionando o câmbio e vem levando esses países emergentes a tomar medidas tanto monetárias (como a redução da taxa de juros e o aumento do IOF no Brasil) como comerciais, para proteger os produtos locais da competição de países com moedas menos valorizadas.

Esse é o tsunami monetário ao qual a presidente Dilma vem se referindo.

  

Mas Edward Mott, fundador e CEO da Oxford Capital Partners, prevê outro tsunami, em breve.

Segundo ele, “nunca houve tanto dinheiro parado na história”. Com as taxas de juros negativas nos países ricos, esse dinheiro acabará se movimentando em busca de taxas de retorno maiores. E deve rumar para os emergentes “Essa é a dinâmica. Quando esse dinheiro começar a se mexer, haverá um verdadeiro tsunami financeiro.”

“Os retornos estão muito baixos nos ‘money markets’ [mercados de curto prazo], e os títulos de longo prazo também rendem muito pouco. Isso deve continuar assim pelos próximos um a dois anos”, disse Mott. “Em algum momento o mercado [nos países ricos] vai capitular e dizer que não dá mais para continuar recebendo menos de metade da inflação. Isso é psicológico.”

E quando esse tsunami rumo aos emergentes vai acontecer? “Acho que começará no final deste ano, começo do ano que vem”, disse Mott, para quem o cenário hoje ainda é de aversão ao risco. “Esse processo começará quando o mercado acreditar nos brotos do crescimento [isto é, nos sinais de que a economia nos países ricos se estabilizou]. Então, o processo ganhará impulso.”

Entre os efeitos sobre os países emergentes estarão uma pressão ainda mais forte sobre o câmbio e sobre o preço dos ativos, como ações e imóveis.

Mott disse acreditar que essa fase durará de dois a três anos, e que será seguida por um crash.

Segundo ele, o desafio para uma empresa de private equity será investir agora, antes do tsunami começar [pois ele elevará os preços dos ativos], para obter mais valor, e então vender no final do tsunami, antes do crash. O duro será precisar esses momentos.

Governo e BCs dos países emergentes também terão um desafio complexo. “Não há um tsunami agora, mas as autoridades precisam se preparar para o tsunami que virá e que será muito grande. Voltaremos ao que [Allan] Greenspan chamou de “exuberância irracional”.