Empresa sem chefes testa gestão virtual
Uma empresa pode funcionar sem executivos ou gerentes ou um conselho de administração? É o que uma das experiências mais radicais na área de tecnologia quer descobrir.
Um grupo chamado DAO, sigla em inglês para Organização Autônoma Descentralizada, está administrando a si próprio via códigos de computador em uma rede. Cada detalhe operacional, da governança às operações do dia a dia e os cronogramas de pagamento, é inserido no código que possibilita que a empresa funcione. Não há documentos corporativos, conselho ou diretor-presidente.
A DAO lançou um “crowdfunding”, uma campanha para financiamento coletivo, em 30 de abril. Ela não está arrecadando dinheiro em dólar ou mesmo na moeda virtual bitcoin. Em vez disso, está captando por meio da plataforma Ethereum, uma versão alternativa da bitcoin.
A DAO planeja usar os recursos arrecadados para financiar “startups” que criem aplicativos para a Ethereum. Até sábado, a DAO havia captado mais de US$ 107 milhões, segundo a carteira digital do grupo que pode ser visualizada por todos na Ethereum.
Isto já torna a DAO uma das startups mais capitalizadas em moedas virtuais. A maior captação para uma startup de capital fechado nesse campo tecnológico foi de US$ 116 milhões, realizada pela 21 Inc. em março de 2015.
A rodada de captação da DAO termina em 28 de maio. Ela já ultrapassou os US$ 75 milhões obtidos pela Coinbase, os US$ 60 milhões captados pela Digital Asset Holdings e os US$ 55 milhões da Blockstream.
O grupo que criou a DAO, principalmente pessoas do grupo de desenvolvedores da Ethereum, esperava captar cerca de US$ 20 milhões, segundo Stephan Tual, da startup slock.it, que escreveu os códigos da DAO. “É realmente surpreendente” ver o total captado até agora, diz ele.
O financiamento coletivo funciona dessa forma: a DAO está aceitando o ether, a moeda criptografada usada na Ethereum, em troca de tokens da DAO. Para cada ether investido, 100 “tokens” da DAO são criados. Eles funcionarão como uma moeda interna.
Os fundos são depositados na carteira digital da DAO na rede da Ethereum. Como a bitcoin, todas as transações são públicas e visíveis em sites como o Etherscan.
“É o primeiro experimento real que nós estamos vendo de uma governança ‘programável’ além da bitcoin ou da Ethereum como sistemas próprios”, diz Fred Ehrsam, um dos fundadores da startup de bitcoin Coinbase. Ehrsam diz que não está envolvido no projeto, mas investiu uma pequena quantia nele.
De certa forma, a DAO é como qualquer fundo de capital de risco tradicional e assume claramente que é uma empresa que busca lucro. Mas um capitalista de risco não decide quem vai ser financiado.
Em vez disso, todo mundo com tokens da DAO tem direito de voto proporcional à quantidade de tokens que possui para escolher os futuros candidatos a receber financiamento. Se a startup é aprovada na votação, ela consegue o financiamento.
Todos os detalhes do processo, do montante do financiamento até o seu tipo específico, se a DAO fica com um percentual dos lucros ou uma participação acionária, serão definidos antecipadamente na proposta.
“Ele não é guiado por leis e jurisdição”, diz Tual. “Ele é guiado pelo código.”
Ainda assim, a DAO, como uma experiência viva, certamente receberá críticas de todos, desde investidores até reguladores de governo mundo afora. Tudo sobre ela é novo, admite Tual, e terá que ser testado em situações do mundo real. Ele diz estar em contato com autoridades do governo e reguladores em alguns países europeus e que está otimista com o que vem escutando.
“As pessoas supõem que o governo vai criticar a experiência”, diz. “Eu acho que eles vão apoiá-la.”