Para a Renault custos elevados ameaçam novos projetos no Brasil
Apesar da ampliação de R$ 1,54 bilhão anunciada na fábrica do Paraná, presidente nacional da montadora coloca em xeque possibilidades futuras
Publicado em 05/08/2012 | Cristina Rios
Os elevados custos de produção representam uma ameaça forte a uma nova geração de investimentos para o Brasil nos próximos anos. A avaliação é do francês Olivier Murguet, presidente da Renault do Brasil. Em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu o posto, em janeiro, ele diz que o país tem custos de logística, tributários e de compras que podem colocar em xeque a atração de novos projetos no futuro.
A declaração pode soar estranha, já que a Renault está investindo R$ 1,54 bilhão na fábrica do Paraná, viu suas vendas crescerem 37% no primeiro semestre, tem aqui um dos seus centros mundiais de engenharia e deve contratar mais mil pessoas até 2015 para o projeto de expansão no país. Mas Murguet tem os cálculos na ponta do lápis.
Uma exceção
Depois de altos e baixos, empresa cresce na contramão do setor
Com crescimento de vendas de 37% no primeiro semestre deste ano, o Renault vai na contramão do mercado, que amarga vendas mais fracas, endurecimento das negociações com os sindicatos e até fechamento de fábricas, como o caso da General Motors, em São José dos Campos (SP). A Renault fechou o primeiro semestre de 2012 com 110.536 veículos comercializados e detém hoje 6,8% do mercado. A meta é alcançar 8% e vender, ainda neste ano, 15% e 20% mais.
A Renault demorou para emplacar no Brasil e teve de enfrentar alguns anos com resultados no vermelho até mudar sua estratégia e lançar produtos adaptados ao consumidor brasileiro. A montadora francesa também fez avanços nas negociações salariais, enquanto o embate entre empresas e metalúrgicos levou outras montadoras, como a Volkswagen, a suspender investimentos.
No ano passado, a Renault fechou um “pacote” salarial válido por três anos, considerado o maior da história, por envolver aumento real de até 20,19% entre 2011 e 2013 e R$ 61,5 mil referentes à Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) e abono salarial.
Segundo ele, levar um automóvel de Curitiba até Belo Horizonte pode custar até 81% mais que fazer o mesmo entre a fábrica da Romênia e a França. O custo dessa logística no Brasil é de 0,38 euros em uma distância de mil quilômetros. Na Europa, esse valor é de 0,21 euros e a distância é de 2 mil quilômetros. A viagem do carro no Brasil dura 51 dias. Na Europa, 30 dias.
Os custos de compra de materiais vêm subindo rapidamente e aceleraram 30% nos últimos cinco anos, se aproximando rapidamente dos da matriz. A carga tributária, por sua vez, continua a ser um componente importante no preço do automóvel brasileiro – chega a 30,4%, contra 16,7% na Itália e na França e de 6,1% nos Estados Unidos. “Está caro produzir no Brasil e isso ajuda a explicar porque os investidores internacionais passaram a ver o país com outros olhos nos últimos meses. Os atuais investimentos da Renault estão garantidos até 2015. Porém estamos pensando no futuro, na perenidade dessas operações”, afirma.
Essa conjuntura vai, cada vez mais, pesar nas decisões de onde e como investir. Ela afeta desde os grandes investimentos até as pequenas decisões, como trazer novas versões e acessórios, segundo Murguet. “Hoje o nosso centro de engenharia da empresa no Brasil está perdendo projetos para outros países”, emenda.
O executivo considera que o Brasil se tornou uma das grandes potências mundiais nos últimos anos e precisa aproveitar essa oportunidade. “A política econômica nos últimos quatro mandatos foi acertada e criou condições para que uma nova massa de consumidores da classe C pudesse consumir. Isso garantiu velocidade para o crescimento para o Brasil e permitiu que ele atravessasse bem a crise de 2008 e 2009. Agora, o que vemos é que a velocidade desse motor deve ser menor.”
O mercado brasileiro, na sua avaliação, tem potencial para passar das 3,6 milhões de unidades previstas para este ano para 4,5 milhões até 2017. O Brasil já é o segundo maior mercado mundial da Renault, atrás apenas da França. Mas é seguido de perto pela Rússia. “ Temos de lutar para nos mantermos nessa posição. Os russos estão no nosso retrovisor”, diz.
Os chineses também são uma ameaça constante, mesmo com a decisão do governo de aumentar o IPI sobre os importados. “Eu olho o custo dos chineses e embora eles não estejam no mesmo nível de tecnologia e segurança, eles têm custos muito baixos. Não se preparar para enfrentar isso seria negar a realidade”, afirma.
Murguet diz que o setor vem conversando com o governo sobre o aumento dos custos de produção com o governo e há sinais de que há disposição em promover algumas mudanças. “A possibilidade de reduzir o preço de energia, por exemplo, é um ponto positivo”, exemplifica. No âmbito estadual, ele cita as dificuldades no porto de Paranaguá, que ainda não está no nível de eficiência que se espera, tanto do ponto de vista de acesso e capacidade quanto em redução de poluição.
Francês na França, brasileiro aqui
O Brasil não é novidade para Olivier Murguet. Depois de viver por três anos na adolescência no Rio de Janeiro e de voltar a morar aqui entre 1995 e 2000, quando ajudou a reestruturar a área de distribuição da marca, ele até torce para time brasileiro. Quando o assunto é futebol, o Vasco divide sua preferência com o tradicional clube francês Saint Ettiene. “O meu primeiro jogo de futebol aqui no Brasil foi em São Januário. Hoje o Juninho, que jogou na França, está no time”, comenta.
“Sou francês na França e brasileiro no Brasil”, afirma ele, que diz que quer, entre outras coisas, aumentar a identificação do Paraná com a Renault nos próximos anos, por meio de ações ligadas à comunidade. A primeira ação de grande porte foi o contrato de exposição da marca no Expo Renault Barigui, fechado com o grupo Positivo, que administra o local. O acordo foi acertado em apenas três semanas. A ideia era estar presente em um espaço tradicional e conhecido pela população da cidade. “A Renault já tem porte aqui, empregamos 6 mil pessoas diretamente, geramos 25 mil empregos indiretos. Somos a maior exportadora do estado. A ideia é arraigar quando estamos bem”, diz.