O que deve ser durável – desenvolvimento:

O caminho escolhido pelo Brasil para combater a crise é arriscado porque se baseia quase que exclusivamente no consumo e dá pouco espaço à poupança. (O que deve ser durável – desenvolvimento)

Mais uma vez, chegou o fim do prazo de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que incide sobre os automóveis e, mais uma vez, foram confirmados os rumores de que o benefício será prorrogado – agora, até 31 de dezembro. Mais uma vez, o governo estará colocando sobre os ombros do cidadão brasileiro uma responsabilidade que é grande demais: salvar a economia nacional da pasmaceira provocada pela desaceleração da economia global.

Não há problemas em incentivar a indústria nacional para combater os males de uma crise que se arrasta há quatro anos, a mais intensa em quase cem anos – na verdade, é o que estão fazendo todos os países, de uma forma ou de outra. Mas há formas diferentes de fazer isso. Na França, um plano elaborado por Louis Gallois, ex-executivo-chefe da European Aeronautic Defense & Space (EADS), prevê cortes de impostos sobre a folha de pagamento, no valor aproximado de 50 bilhões de euros. Em Portugal e na Espanha, cortes importantes nos orçamentos do ano que vem estão sendo planejados. No primeiro caso, o estímulo vem por meio da redução nos custos pagos tanto por empresários quanto por trabalhadores. Nos outros dois, a administração estatal está diminuindo os seus gastos para adaptar-se a uma situação em que a dívida pública é grande demais.

No Brasil, a estratégia anticrise resume-se a conceder mais e mais estímulos para o consumo. O brasileiro, é verdade, respondeu: o consumo das famílias cresceu 2,5% de julho de 2011 a junho de 2012, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) global elevou-se em 1,2%. Entretanto, essa fórmula não vai funcionar para sempre. O estímulo serve à indústria de bens duráveis e semiduráveis – carros, geladeiras, máquinas de lavar. O adjetivo não está ali à toa: bens duráveis realmente duram. Por mais que os juros sejam menores e o preço tenha o desconto amigável do IPI, ninguém troca de geladeira todo ano.

O programa de concessões na área de logística, anunciado em agosto, parecia uma mudança de atitude. Atacava um setor que é ponto fraco no plano de desenvolvimento do país e previa um investimento grande – R$ 133 bilhões –, mas distribuído ao longo de 25 anos, com impacto real sobre o crescimento econômico (conforme escreveu, em artigo publicado na Gazeta do Povo à época, o presidente do Ipardes, Gilmar Mendes Lourenço).

O caminho escolhido pelo país é arriscado porque se baseia quase que exclusivamente no consumo e dá pouco espaço à poupança. É inegável que o consumo faz girar a economia e é necessário em um momento como o atual. A poupança, entretanto, constitui reserva de capital a ser aplicado continuamente. Isso, é claro, se for alocada em ativos privados, como ações e títulos privados de renda fixa.

O estímulo ao consumo era para ser um paliativo, uma concessão feita pelo governo para acabar quando a crise também se acabasse. Mas ela está durando, e há ainda muito a ser feito para abrir o caminho de um desenvolvimento sustentável. É preciso reduzir o impacto da dívida pública sobre as contas do governo, por meio da oferta de títulos de longo prazo – isso já vem ocorrendo, mas pode ser acelerado. Só assim a União poderá liberar recursos para investimentos estatais mais polpudos (e relevantes) em setores como o da infraestrutura, sem os quais fica difícil colocar o país no rumo de uma onda de crescimento mais duradoura.

Gazeta do Povo – Editorial