Baseado na expansão do consumo, o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil condena a indústria a um papel menor. Esse modelo contribui para valorizar o real frente a outras moedas, prejudicando a competitividade industrial. A apreciação do real também é resultado da forma como o país se inseriu na economia mundial na última década, ao transformar-se em competidor imbatível no setor de commodities, principalmente, agrícolas e minerais.
Estimular o consumo e ser um produtor eficiente de commodities foram escolhas da sociedade, uma possível consequência da Constituição de 1988 e, portanto, das políticas adotadas pelos governantes eleitos desde então. O país pode conviver bem com essas opções, o Brasil não está em crise, muito pelo contrário, mas encontrar um caminho para a indústria, defende Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é uma necessidade, mais do que um capricho.
O debate proposto por Schymura é sofisticado e foge um pouco do clima de Fla-Flu com que o tema vem sendo tratado ultimamente. Sua preocupação é com uma possível reversão, embora neste momento remota, das condições que permitiram ao país viver a atual fase de solidez.
Modelo, sem reforma, condena indústria a baixo crescimento
Schymura argumenta que a economia brasileira atingiu um novo padrão de equilíbrio nas contas externas. O déficit em conta-corrente, inferior hoje a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), não representa risco. O “credit default swap” (CDS) da dívida soberana, uma medida de risco, caiu de 3.500 pontos base (35%) em 2002 para algo próximo de 200 pontos (2%) hoje. As reservas cambiais somam US$ 367,3 bilhões e seguem crescendo.
No ano passado, o país foi, no mercado emergente, o segundo maior beneficiário de investimento estrangeiro direto, com US$ 66,6 bilhões, dinheiro mais que suficiente para cobrir o déficit externo. Os preços das exportações de bens primários subiram quase 260% entre 2001 e 2011, evidenciando a melhora nos termos de troca do país, isto é, na relação entre preços dos produtos exportados e os dos bens importados.
A base dessa solidez, assinala Schymura, está no setor exportador de commodities. É ele o alicerce da confiança do mundo no Brasil, o que diminui o risco-país e torna a economia mais atrativa a fluxos de capitais. A futura exploração de petróleo na camada pré-sal apenas acentuará essa característica. Num mundo com abundância de capitais e com as economias avançadas crescendo pouco, o Brasil tornou-se um polo de atração tanto para capital especulativo, movido pelo diferencial de taxas de juros, quanto para produtivo.
Esse quadro de fartura pode mudar. “Seria muito perigoso se o Brasil se acomodasse com os louros da atual bonança de forma pouco crítica. Afinal, a conjugação de fatores externos e internos pode se alterar, e, mesmo havendo o mecanismo de ajuste do câmbio flutuante, mudanças muito bruscas podem trazer transtornos e deslocamentos com fortes impactos econômicos, políticos e sociais”, alega Schymura, que tratará do tema na próxima Carta do Ibre.
O modelo de desenvolvimento brasileiro é amparado na forte expansão do consumo. Entre 2004 e 2011, a demanda cresceu 40,1%, enquanto, no mesmo período, o PIB avançou 31,8%. Segundo o diretor do Ibre, desse hiato gerado ao longo de sete anos, 61% podem ser atribuídos à elevação da absorção de poupança externa – o país importa capitais porque não gera poupança doméstica suficiente para financiar os investimentos – e 39% aos ganhos nos termos de troca.
A ênfase no consumo aumenta, por sua vez, a demanda no setor de serviços, intensivo em trabalho. Decorre daí, portanto, a pressão sobre os salários da economia, que têm crescido acima dos níveis de elevação da produtividade do trabalho no setor industrial.
“Outro ângulo do problema é que a absorção de poupança externa provocada pelo excesso do consumo e do investimento em relação à renda nacional leva necessariamente a déficits comerciais no setor de produtos comercializáveis internacionalmente. Diante da hipercompetitividade das commodities, os déficits atrelados à absorção de poupança externa recaem inevitavelmente sobre os bens industriais”, explica o diretor do Ibre. “Assim, o consumo turbinado é uma das raízes mais profundas dos problemas da indústria, da qual o câmbio valorizado é um reflexo.”
Para Schymura, é equivocada a ideia de que políticas sistêmicas de redução do custo Brasil possam ser benéficas para a indústria. Segundo ele, é preciso verificar se essas políticas afetam positivamente as fábricas em comparação com os demais setores da economia que competem por fatores de produção. Por exemplo, a elevada carga tributária do setor de energia elétrica e o custo do gás natural, além das altas alíquotas de tributos como o ICMS, prejudicam mais a indústria do que outros setores.
A melhoria da logística e dos grandes eixos de transporte, por sua vez, sustenta Schymura, não beneficia tanto a indústria. Seus efeitos positivos são mais visíveis para o setor de commodities, que movimenta cargas maiores e geralmente por percursos mais longos. Na opinião do economista, as grandes obras de escoamento de commodities agrícolas e minerais deveriam ser preferencialmente financiadas com dinheiro privado por meio de contratos de concessão, liberando o Estado para gastos que gerem benefícios mais disseminados na economia.
Reformas que barateiem e ampliem o financiamento de longo prazo beneficiam, porém, mais a indústria, uma vez que esta, ao contrário do setor agrícola, tem maior dificuldade em se financiar. A melhora da educação também ajuda essencialmente o setor industrial, mais dependente de mão de obra, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, do que o agronegócio.
“Diante desse quadro, parece correta e sem maiores riscos a adoção imediata de uma agenda de medidas tributárias, financeiras e de aprimoramento de capital humano, que mitigue as pressões sobre as manufaturas”, diz Schymura. Em certa medida, é o que o governo está fazendo, embora de uma forma um tanto atabalhoada. É possível avançar, como têm demonstrado países como o México, sem risco de retrocesso em conquistas obtidas na última década e meia.
Cristiano Romero – editor-executivo – Valor