A joint venture e a sociedade de propósito específico,
assim como o consórcio de pessoas jurídicas, não são questões diretamente ligadas ou derivadas das sociedades por ações. O legislador, por ocasião da discussão e edição da lei 6.404/76, preferiu tratar o tema do consórcio no espaço desta lei, levado por questão de oportunidade do processo legislativo. Daí o estudo que se faz do consórcio no capítulo das sociedades por ações, destacando-o na seção que examina a concentração econômica de empresas. O mesmo fenômeno ocorre com a joint venture e a sociedade de propósito específico, com a ressalva que estas não tem tratamento legal completo no Brasil.
A Joint venture. O instituto da joint venture é resultado da criatividade empresarial e não encontra tipificação na legislação brasileira. Trata-se de ação de empreendedor, pela qual se objetiva a concentração de esforços combinados com a redução de risco empresarial. O traço da atividade é a cooperação empresária, como ocorre nos casos mais comuns, por exemplo, em que o detentor de tecnologia especial, desejoso de explorá-la em determinado local, mas inibido pelo desconhecimento de peculiaridades do mercado alvo e pela necessidade de investir, às vezes pesadamente, em estrutura física, industrial ou de comercialização, se alia à empresa ali estabelecida para aproveitar-lhe as habilidades e conhecimentos bem como própria organização já consolidada. Haverá substancial economia de custos e diminuição de riscos com incremento de capacidade operacional, de lado a lado. Modesto Carvalhosa, em Comentários à Lei de Sociedades Anônimas (vol II, Ed Saraiva, 1.998, pag 344) refere a existência de: a) – joint venture agreement , ou seja, consórcio contratual que se traduz na “conjugação de aptidões e recursos empresariais de duas ou mais sociedades”, no qual se mantém “a autonomia das consorciadas, que nomeiam o administrador do consórcio (operator)…”; b) – joint venture corporation, ou seja, a “conjugação de aptidões e recursos empresariais de duas ou mais sociedades, mediante a constituição de uma nova companhia com o objetivo específico de levar avante o empreendimento comum”. Segundo o autor, o característico de ambas as espécies é a “especificidade da exploração de determinada atividade de natureza empresarial , de duração limitada…”
O instituto, oriundo do direito americano, tem sido definido como a partnership for a single business, conceito que se amplia como “uma modalidade de partnership temporária, organizada para a execução de um único e isolado empreendimento lucrativo, usualmente, embora não necessariamente, de curta duração. Trata-se de uma associação de pessoas que combinam seus bens, dinheiro, esforços, habilidades e conhecimentos com o propósito de executar uma única operação negocial lucrativa (Len Yong Smith e ou., Business Law, 4ª Edição, apud Modesto Carvalhosa, ob. cit.p 360). Wilson de Souza Campos Batalha (A nova Lei das S/A, Ltr, 1998, pag. 225), focalizando a modalidade contratual da joint venture, acentua que “ao contrário das partnerships, os co-ventures realizam uma pluralidade de atos que, embora funcionalmente vinculados à realização de interesse comum, mantém sua própria individualidade econômica e jurídica, sem confluir em uma atividade diretamente imputável a um sujeito distinto dos contratantes…”.
É visível que a forma da “joint venture” é indefinida. Admite simples contratos de colaboração, de fornecimento, de transferência de tecnologia, de assistência técnica até a organização de sociedades, a começar pela sociedade em conta de participação, para chegar à estruturas mais pesadas, como a sociedade anônima.
O objeto da “joint venture”, em qualquer de suas formas, será sempre restrito, qualificado por negócio específico e com prazo determinado quase sempre, conclusão a que se chega observando as definições correntes no direito americano, sua matriz histórica. O objeto será determinado pelo interesse das partes. A penetração em mercado desconhecido para uma das partes; o teste de mercado ou de lançamento de um novo produto e o estudo de sua evolução imediata e a reação de consumidores; a realização de trabalho ou obra específico, são alguns dos exemplos coletados pela experiência para descrever o campo de ação do instituto. Da última hipótese descrita, surge a sociedade de propósito específico. Não se deve olvidar que os participantes terão objetivos convergentes, pois se a um é conveniente explorar determinado mercado usando o domínio que sobre ele tem a outra parte, a esta haverá o interesse que agregar à sua linha de atuação mais uma atividade.
Os participantes das joint venture serão pessoas jurídicas, de qualquer espécie, inclusive as empresas públicas e sociedades de economia mista, sem limitação do número de sujeitos ativos. O habitual é pequeno número de interessados, mas nada impede a presença de um grupo mais amplo. A questão é de conveniência comercial ou operacional. Não é usual, mas nada impede que pessoa física participe de tal tipo de empreendimento.
O controle da joint venture tem natureza peculiar. No conceito da joint venture sobressai o fato de que nenhum dos participantes terá preponderância sobre o outro, já que o elemento central, aglutinador, que orienta o comportamento das partes é o talento, a habilidade, o domínio de uma técnica ou habilidade, nova ou não, que conduz a formação do negócio. No regime da joint venture contratual haverá, no mínimo, equilíbrio entre as partes e a administração terá que ser conduzida por ambos os contratantes, ou por um deles com poderes suficientes para gerir o negócio.
A administração da joint venture variará em razão da forma adotada. Se meramente contratual, não haverá administração especializada, pois os consorciados mantém sua personalidade jurídica e autonomia patrimonial e negocial. Se adotada a técnica da formação de uma nova pessoa jurídica, já surge outro fator a condicionar o comportamento das partes, além daqueles acima mencionados, que é a composição do capital social e os reflexos patrimoniais e de poder que dele surgem. Mas para preservar a pureza do instituto, as partes, então sócias, deverão que adotar técnicas que equilibrem o exercício do poder dentro da sociedade, criando sistema de freios e contra pesos por via da distribuição de atribuições administrativas, por exemplo, de modo a evitar a preponderância de uma sobre a outra.
Dado característico da joint venture é o prazo determinado. Na modalidade contratual, as partes devem defini-lo, seja indicando data especial ou a consumação do objeto do contrato, por exemplo. Na modalidade associativa, a extinção também deverá estar prevista no ato constitutivo, no modo mais apropriado às expectativas dos sócios. No primeiro caso, encerrada a joint venture, as obrigações das partes devem ser liquidadas, com o acerto de contas final. Tal perspectiva deve levar ao segregamento da contabilidade dos atos relativos à joint venture, afim de que se distanciem da atividade pessoal das partes, ao menos no que concerne aos registros. Na hipótese da joint venture institucional, a segunda modalidade, completado o período de atuação da sociedade, procede-se a sua liquidação, como prevista no art. 1.102 e seguintes do Código Civil, ou na lei das sociedades por ações, segundo o tipo social adotado.
Na falta de previsão legal específica, a joint venture não implica em solidariedade dos participantes. A autonomia das partes será completa. Para que exista, no caso, a solidariedade deverá estar determinada no próprio contrato instituidor, seja na modalidade contratual, seja na modalidade associativa, como será o caso de se adotar a forma da sociedade em comandita simples.
A cessão do contrato ou de obrigações dele derivadas, a sub-rogação pessoal não são autorizadas na joint venture. O contrato tem natureza intuitu personae, visto que se trava em razão das qualidades, atributos e habilidades pessoais das partes. As alterações subjetivas, no caso, dependerão de consenso das partes.
Sociedade de propósito específico. A Lei nº 6.404/76, no art. 2º estabelece que pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, determinando o § 2º do mesmo artigo que “O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo”. A Lei nº. 8.934/94, no art. 35, inciso III, proíbe o arquivamento do ato constitutivo de sociedade em que não conste a “declaração precisa de seu objeto”. O Código Civil de 2002, no art. 997 assinala que a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que mencionará o objeto da sociedade. O objeto social, portanto, é motivo de preocupação do legislador. Por ele se definirá a atividade da sociedade, a sua legitimidade para a prática de certos atos, a capacidade de atuação de seus administradores, os limites impostos a estes e aos sócios, a responsabilidade dos mesmos no caso de transgressão daqueles. O legislador exige precisão na designação do objeto. Mas nem sempre é o que ocorre, sendo comum a indicação de atividade genéricas, de modo a evitar a necessidade de alterar o contrato social ou estatuto a cada momento em que surgir uma oportunidade de negócio não contemplada expressamente no objeto social. Surge, em certos casos então, a necessidade de especialização absoluta, traduzida pela sociedade de propósito específico.
A sociedade de propósito específico, no inglês special purpose company ou special purpose consortium, não tem regulação especial no Brasil, e não representa um modelo ou tipo de sociedade. Surgem em leis esparsas algumas regras, geralmente de aplicação restrita, que pouco a pouco vão traçando o perfil do instituto. Penetrará em qualquer dos modelos de sociedade existentes, ressalvada a sociedade em nome coletivo (na qual se proíbe sócios pessoas jurídicas no regime do Código Civil de 2002 e desde que se admita que a sociedade de propósito específico não possa ser formada por pessoas naturais), e poderá assumir a condição de companhia aberta. A subsidiária integral, formada nos termos do art. 251 da Lei 6.404/76 representa um caminho natural para a especialização do objeto social, permitindo a operação da sociedade de propósito específico.
O advento do instituto no Brasil ocorreu no ambiente dos contratos públicos, por indução da lei, como se vê na Lei nº. 8.666/93, art. 33. A disposição se dirige ao administrador público, autorizando-o a permitir a participação na licitação de consórcios de empresas, comprovado mediante compromisso de constituição de consórcio, a ser implantado definitivamente se adjudicado o pacto. Procedia-se, após o concurso, a formação definitiva do consorcio, que era levado a registro. O passo seguinte, em evolução natural, foi dado pelo agente público que fazia constar, no edital do concurso público, a exigência de constituição de empresa especializada, uma vez adjudicado o contrato, para celebração deste. Tal situação acabou respaldada pela Lei nº. 9.074/95, que regula as concessões de serviços públicos, a qual autoriza a participação de um consórcio na fase da concorrência, seguido da formação da pessoa jurídica no caso de adjudicação. “A administração pública evolui para a exigência de constituição de uma sociedade que pudesse nitidamente separar os capitais, os recursos e as aptidões, voltada unicamente para a execução do contrato público celebrado”, como ensina Modesto Carvalhosa (op. cit, pag 355). Haverá a presença de uma pessoa jurídica especializada, em substituição do consórcio despersonalizado, com vantagem daquela representar maior estabilidade, dado que os contratos de concessão públicos são muito complexos e celebrados com prazos muito longos. A pessoa jurídica, ainda, segregando obrigações, patrimônio, riscos, operações e contabilidade, permite melhor fiscalização por parte do concedente, deixando mais nítida a responsabilidade da empresa concessionária e de seus sócios componentes. A Lei nº. 11.079, de 31 de dezembro de 2.004, regulamentou as chamadas “parcerias público privadas”, tidas como instrumento necessário à implantação de grandes projetos relativos à infra estrutura econômica do Brasil. O art. 9º dessa lei estabelece algumas regras sobre a técnica ora estudada, tendo em conta o programa ditado pela referida lei. Além de determinar a constituição da sociedade de propósito específico incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria, a lei citada permite que esta sociedade assuma a condição de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado, devendo obedecer a regras de governança corporativa, adotando contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. A transferência do controle de sociedade de propósito específico dependerá de autorização da Administração, conforme o que for previsto no edital e no contrato. A administração pública não poderá ser titular da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico, no caso das parcerias público privada, mas se admite que instituições financeiras sob controle estatal eventualmente assumam o controle, no caso de inadimplemento de contrato de financiamento. Existe a possibilidade de emissão de ações “golden share”, concedendo à autoridade o poder de controle sobre as deliberações relativas a certas matérias.
A Lei Nº. 11.101 de 9 de fevereiro de 2.005, que regula a recuperação judicial e extra judicial, bem como a falência do empresário e da sociedade empresária, no art. 50, XVI, incluí, como um dos meio de recuperação judicial, a constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
O tratamento legal das sociedades de propósito específico em nada difere das situações corriqueiras encontradas na legislação. As regras que regem o relacionamento entre os sócios, entre a sociedade e seus sócios, entre a sociedade e terceiros, as responsabilidades dos controladores e dos administradores, serão as estudadas nas várias modalidades associativas previstas no direito brasileiro para as empresas com finalidade lucrativa.
O agente público, no edital, ou a própria lei que exigir a formação da sociedade de propósito específico, pode impor um determinado tipo de sociedade além de condições especiais, que refujam ao tipo padrão do modo associativo.