A participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) tem declinado nos últimos anos, atingindo 15% em 2011. Esse fato tem levado vários analistas a afirmar que está em curso um processo de desindustrialização no país. O governo, hiperativo, tem tomado várias medidas para salvar a indústria, como desonerações fiscais e aumento de impostos dos produtos importados. Mas, será que a desindustrialização existe mesmo? Em caso positivo, será que as medidas recentes do governo podem realmente salvar a indústria brasileira?
O processo que hoje chamamos de desindustrialização é conhecido na literatura econômica como mudança estrutural (“structural change”). Ele começa com o deslocamento dos trabalhadores da agricultura para a indústria e serviços, decorrente do crescimento da produtividade na agricultura. Isso ocorre porque, segundo Adam Smith “o desejo de alimentação é limitado em todos os homens pelo tamanho do seu estômago”. Depois disso, começa a transição dos trabalhadores da indústria para o setor de serviços, pois o número de geladeiras que uma família precisa é limitado, mas o número de vezes que ela pode viajar não. Esse processo tende ser reforçado pelo aumento da produtividade no setor industrial, que faz com que um número menor de trabalhadores seja necessário para atender a demanda por produtos e máquinas na indústria. Retração como sinal de sucesso.
As mudanças recentes para ajudar a indústria, criaram um emaranhado de regras e burocracias que em nada ajuda
Assim, a participação do emprego na indústria de transformação nos EUA, que em 1965 era de 24%, passou para apenas 11% em 2005. No entanto, esse processo não levou à estagnação da economia americana, uma vez que a produtividade de seus trabalhadores aumentou continuamente, inclusive nos serviços. Assim, a participação da indústria no PIB americano tem permanecido estável nos últimos 50 anos. Da mesma forma, a participação do emprego na indústria tem declinado na grande maioria dos países do mundo, incluindo os latino-americanos, ao longo das últimas décadas.
Curiosamente, a participação do emprego industrial no Brasil manteve-se estável nas últimas décadas, em cerca de 20%. Assim, o processo de mudança estrutural ocorrido na maioria dos outros países não tem ocorrido no Brasil, ao contrário dos que advogam a tese de desindustrialização. Mas, a participação da indústria no PIB tem declinado. Qual o segredo?
O problema está na nossa produtividade industrial. Como mostra a figura ao lado, a produtividade do trabalho na indústria de transformação brasileira cresceu entre 1965 e 1980, mas declinou continuamente nos anos 80. E, após um breve aumento no início da década de 90 (provocado pela liberalização comercial), está estagnada desde então. Enquanto isso, a produtividade do trabalhador industrial americano vem aumentando continuamente desde 1965, o mesmo acontecendo com o coreano, que ultrapassou o brasileiro no início da década de 90. Isso afeta diretamente a participação da nossa indústria no PIB e nas nossas exportações. Por que isso ocorre?
Tudo começa com as nossas conhecidas deficiências de educação e infraestrutura. Além disso, as leis trabalhistas e tributárias que são alteradas todos os anos geram grande instabilidade jurídica e institucional. As mudanças recentes para ajudar a indústria, por exemplo, criaram um emaranhado de regras e burocracias que tende a piorar a produtividade, tamanho o esforço necessário para entendê-las.
Além disso, uma parte dos nossos empresários parece mais preocupada em fazer lobby no governo e na mídia do que em aumentar sua produtividade. Nas últimas décadas, o investimento em capital físico e a taxa de inovações tecnológicas na indústria têm sido pífios. Além disso, as técnicas gerenciais utilizadas por grande parte das empresas industriais brasileiras são bastante ultrapassadas.
Em suma, enquanto na maior parte dos países a perda de emprego industrial foi compensada pelo aumento da produtividade, no Brasil a participação da indústria no PIB e nas exportações caiu devido à estagnação da produtividade. Para reverter esse quadro o governo teria que reduzir os custos tributários, melhorar a qualidade da nossa educação e infraestrutura e parar de alterar as regras a todo o momento. Além disso, teríamos que gerar mais competição e promover a eficiência. O governo não vai conseguir aumentar a produtividade da indústria à força de leis, nem transferindo mais dinheiro da sociedade para esse setor.
Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP.